Por Ana Paula Garrido | UOL
Um mar caribenho, transparente e em vários tons, com águas mornas e tranquilas, casarões centenários com arquitetura preservada e charmosas ruas de paralelepípedo.
Vizinhos com cadeiras nas calçadas em animadas conversas, enquanto a leve brisa do mar refresca a tarde e embala os barcos à vela ou aplaca o calor dos pescadores nas puxadas de rede.
Em outro ponto da praia, os marisqueiros enchem os cestos para o almoço do dia com lambretas e chumbinhos, (espécie de vôngole) que são abundantes na região.
Cai a tarde e o sol desce perfeito como uma bola de fogo entrando no mar, e quase sem avisar, aparecem as primeiras estrelas. Em seguida vem a escuridão rompida pela chegada da lua cheia, que deixa no mar um rastro de luz que ofusca o céu estrelado, formando um cenário perfeito para uma serenata ao luar.
Paraíso conservado
Se você acha que essa descrição faz parte de um antigo romance, você precisa urgentemente conhecer Itaparica, a maior ilha da Baía de Todos os Santos, para vivenciar a simplicidade e a beleza da natureza, que parece congelada no tempo e nos costumes nesse paraíso preservado na Bahia.
Distante apenas 13 Km de Salvador por via marítima, Taparica como a ilha era chamada pelos primeiros habitantes, os índios Tupinambás, significa “cerca feita de pedras”.
A ilha é cercada por arrecifes de corais, tem uma exuberante vegetação tropical, manguezais e lindos coqueirais. Até hoje sua beleza exerce fascínio e uma conexão mágica com todos que passam por lá.
Onde ir
Com o sol garantido quase o ano inteiro, a ilha é um bom programa em qualquer época, mas no verão, entre o Natal e a Semana Santa é quando ela fica mais movimentada com a chegada dos veranistas.
Na minha opinião nada isenta, é imperdível conhecer a cidadezinha que também leva o nome de Itaparica, onde desde criança tive o privilégio de veranear com toda a família e onde fiz dezenas de amigos, que como eu, vivem esse ritual perpetuado por várias gerações de famílias veranistas que há mais de 1 século, continuam deslumbradas com a beleza da ilha.
O que fazer em Itaparica
Além de ser um destino que convida a contemplar cada movimento do sol, do mar e da lua, Itaparica também tem muita história e a pequena cidade pode ser explorada em apenas um dia.
Comece o passeio pelo Campo Formoso, passando por uma pracinha com casas coloridas e históricas. Siga em direção à Praça dos Veranistas pelas ruas de paralelepípedo que ainda revestem todos os caminhos da cidade, passando pela rua do Grande Hotel e da Biblioteca.
Aprecie a maravilhosa vista que se abre em frente à praça com lindas árvores de flamboyants cobertas de flores vermelhas em contraste com o mar. Olhando para a direita, dá para contemplar a cidade de Salvador e uma parte da bela praia de Ponta de Areia.
O Boulevard
Siga para a esquerda, caminhando pelo jardim da Casa Rosa em direção ao charmoso Boulevard, a rua mais charmosa e tradicional da cidade, arborizada e de frente para a praia, onde ainda se vê alguns exemplares preservados de casarões do século 19.
Se for em uma tarde de verão, notará muitos veranistas sentados do lado de fora de suas casas, ou nas sombras das árvores, comendo siris e caranguejos, contemplando a beleza do mar ou em conversas animadas com vizinhos e familiares. Note a alegria das crianças aproveitando a liberdade para brincar na praia, nas calçadas ou andar de bicicleta.
As praias
Na frente do Boulevard, se a maré estiver cheia, não resista a dar um mergulho e apreciar a delícia de uma enorme piscina de água morna e transparente.
Se a maré estiver vazia, aproveite para se divertir na areia, cavando com as mãos até encontrar centenas de “chumbinhos”, as pequenas conchas fechadas do marisco, que rendem uma deliciosa moqueca para o almoço.
Siga em direção à próxima praça, onde está a Praia do Forte, que costuma receber mais gente e tem estrutura de barraquinhas e baianas de acarajé em ambiente bem improvisado e descontraído.
Não deixe de pedir o picolé do Picolaishon, a maior atração da praia, com seu chapéu imenso e carrinho de picolé com som de trio elétrico, o divertido rapaz tem conversa animada, põe os banhistas para dançar e joga picolés para as crianças quando elas estão no mar.
Vale observar as traves montadas na areia, para animadas partidas de futebol, interrompidas quando a maré começa a encher cobrindo toda a extensão do improvisado campo.
Outras praias em direção à Praia da Ponta de Areia são as preferida para quem faz passeios de escuna como a do Restaurante Manguezal.
O Forte de São Lourenço
O belo Forte de São Lourenço debruçado na curva da praia onde antes era conhecido como Ponta da Baleia, foi reconstruído sobre as ruínas da antiga fortificação holandesa no início do século XVIII. Dele partiram alguns dos ataques que frustraram o desembarque das esquadras portuguesas no dia histórico da vitória dos Itaparicanos sobre os Lusitanos em 7 de janeiro de 1823.
Casa do Escritor João Ubaldo
Do lado oposto, veja onde o escritor João Ubaldo passava seus dias de ócio, na sua casa, deitado na rede entre as mangueiras. Imagine quanta inspiração e quantas obras devem ter começado ali.
O Solar do Rei
Continuando o passeio em direção à ponte, observe a beleza do forte, a calma prainha entre ele e a ponte e o lindo casarão amarelo conhecido com Solar do Rei. Construído pelo armador de Baleias, João Francisco de Oliveira no início do século XVII. A casa hospedou figuras ilustres, dentre elas, nada menos que D. João VI em 1808, D. Pedro I em 1826 e D. Pedro II em 1859, que na época esteve lá para visitar um importante depósito de pólvora abrigado na ilha.
Ponta das Baleias
Neste ponto do passeio olhe para o mar e imagine essa paisagem em 1600, com muitas baleias buscando as mornas águas do mar. Em 1603, os primeiros armadores de baleia se estabeleceram neste local, próximo ao Hotel Icaraí, e a caça do gigantesco animal era uma importante e lucrativa atividade econômica na época. Uma baleia produzia 70 toneladas de carne e cerca de 34 tonéis de óleo que era usado na construção e também na iluminação das cidades. Estaleiros de construção naval, cultivo de manga, (apreciadas pelo sabor incomum) uvas, trigo, cana, criação de gado, extração de cal, petróleo e água mineral também fizeram parte das atividades econômicas na ilha ao longo dos séculos.
Igrejas
Aprecie a beleza da Capelinha de Nossa Senhora da Piedade, em estilo neogótico, reinaugurada em 1923 no centenário da Independência, como gratidão à histórica vitória sobre os portugueses.
Entre pelo colorido beco das Beatas em direção à Igreja de São Lourenço, a mais antiga na cidade de Itaparica, construída pelos armadores de baleia no início do século 17. E a igreja do Santíssimo Sacramento que foi construída no final do século 18.
Pôr do sol no mar
Conheça o artesanato da ilha no casarão histórico que também abriga a prefeitura e depois, tome um sorvete enquanto assiste a um lindo pôr do sol na praça onde João Ubaldo reunia os amigos para um delicioso almoço do bar do Negão.
Mercado e calçadão
Seguindo em direção à Fonte da Bica, caminhe pelo calçadão à beira mar, passando pelo antigo mercado, sempre cheio pela manhã onde veranistas e moradores costumam comprar peixes e mariscos frescos. Tome uma água de coco enquanto contempla o mar ou se estiver com fome, faça uma pausa gastronômica em um dos restaurantes da Marina.
Fonte da Juventude
Em frente à Marina está a famosa Fonte da Bica, que desde o início do século XVIII ficou conhecida pela “pureza da água santa” e das propriedades minerais de sua água, recomendada para cura de doenças, principalmente para os distúrbios digestivos.
Em 1842, após a criação da Denodada Vila de Itaparica, foi construída com pedra e cal um reservatório de água. Em 1937 foi criada a Estância Hidromineral de Itaparica. Já em 1962, as bicas foram revestidas de azulejo, para que ficassem semelhantes às fontes de Portugal. Por muito tempo também passou a ser chamada de “Fonte da Juventude”. No azulejo, a frase “Êh! Água fina, faz velha virá menina”, é um convite irrecusável para beber o líquido mágico. Vai que funciona!
Banhos de Lama
Além das águas mineiras curativas, Itaparica também já foi conhecida pelos banhos de lama da antiga praia do Convento, consideradas milagrosas para a cura de algumas doenças como polinevrite.
Curiosidades históricas
Poucos sabem da importância de Itaparica com sua história praticamente mesclada com a do Brasil. Lá viviam os índios Tupinambás, antes dos Portugueses chegarem na Bahia. Taparica, era o respeitado cacique da ilha e pai da índia Catarina Paraguaçu, a “Eva do paraíso tropical”, considerada por historiadores, uma das primeiras figuras femininas da história do Brasil, que encantou e casou com o náufrago português Caramuru. Outra figura feminina que muito orgulha os Itaparicanos é Maria Felipa, considerada uma heroína pelos atos de bravura na luta contra os portugueses na ilha. Sem esquecer de mencionar o grande escritor Itaparicano João Ubaldo Ribeiro, que em seu livro “Viva o Povo Brasileiro” conta a história do Brasil tendo a ilha como cenário.
Consolidação da Independência do Brasil
Em 7 de janeiro de 1823 os Itaparicanos saíram vitoriosos nas lutas pela consolidação da Independência do Brasil contra o domínio dos Portugueses. As praias da ilha foram palco de importantes batalhas. Até hoje, a data é comemorada em grande festa, com o desfile do carro do caboclo e cortejo animado dos índios, barraquinhas na praça, representação da luta histórica e vários dias de shows animados.
Onde ficar
Para quem procura mais conforto e sofisticação, o Clube Med continua em destaque, apesar de não ficar na cidadezinha de Itaparica. Hospedagem com bom custo benefício oferece o Grande Hotel de Itaparica, inaugurado em 1954, foi inteiramente reformado e hoje é administrado pelo Sesc. O antigo Hotel Icaraí tem uma privilegiada localização frente ao mar. Também há pousadas em diferentes praias como Ponta de Areia.
Como chegar
Ferry-boats – de hora em hora partem do Terminal Marítimo de Salvador até Bom Despacho na ilha. Aproximadamente 60 minutos de viagem para travessia de passageiros e carros.
Lancha de Mar Grande – como são conhecidas as embarcações com capacidade para aproximadamente 100 passageiros, partem do Terminal Marítimo em frente ao Mercado Modelo em Salvador até Mar Grande – aproximadamente 40 minutos
Escunas, lanchas e catamarãs -Também é possível alugar lanchas, catamarãs e escunas que fazem o trajeto, em agradáveis passeios por belas ilhas no trajeto.
Por carro – A ilha também pode ser acessada por terra, pela BR-324 saindo de Salvador, o percurso é de cerca de 270 km.
Pacata, bucólica e ainda paradisíaca, Itaparica é certamente uma das mais encantadoras ilhas do Brasil e um convite para quem gosta de se conectar com a simplicidade e beleza da natureza.
Matéria original de Ana Paula Garrido de O Melhor da Viagem para o site do UOL
Dedico essa matéria aos meus queridos avós Helena e Garrido e seus descendentes, aos veranistas e Itaparicanos que perpetuam de geração em geração o amor por essa ilha.
Parabéns pelo excelente trabalho!!!
Essa bela reportagem me tocou no fundo do meu coração, foi uma emoção só ver as fotos e ler a bela descrição do que é hoje a cidade de Itaparica. Lá pelos idos de 1950 e durante alguns anos após ,passava minhas férias de verão com minha mãe e meu irmão, inicialmente na Pensão Anita, pensão que pertencia à D. Anita e que ficava em frente à ponte e mais tarde no Hotel Icaraí do qual era dono seu filho, Samuel que era amigo de meu pai e sua esposa, D. Anéia. Em frente ao nosso quarto, no mar, pertinho da beira víamos o casco de um navio que tinha afundado, não me lembro sob que circunstâncias e que me causava um medo inesplicavel. Adorava essas férias tranquilas, os banhos de mar na praia do Forte, os passeios de bicicleta até a fonte da Bica, os jogos de buraco com os amiguinhos, enfim, uma nostalgia imensa. Hoje vivo bem longe, num kibbuts em Israel mas nunca jamais esquecerei a “minha” Itaparica. Obrigada
Adoro a Cidade de Itaparica, infelizmente parei de ir porque o Hotel Icarai está detonado, acabado não dando a menor condição de hospedagem. Tudo velho. Até a fechadura do toalete é um prego entortado.
Como pode deixar um hotel deste neste paraíso tão acabado.
Se um dia fizerrm uma reforma geral voltarei.
Muitas saudades.
Durval José Pereira Figueiredo
Dezembro 4, 2019 at 8:15 pmAdoro Itaparica!
Trabalhei na Itaparica Marina, mais ou menos 18 meses, e sinto muita saudade.
Se algum dia puder, comprarei uma casinha, e vou curtir meu resto de vida, nesse lugar abençoado.
Ilha Itaparica
Dezembro 5, 2019 at 9:20 amMaravilha Durval, na torcida para que você realize seu sonho!